Em muitos cantos dessa grande Amazônia e no seio de diversos povos indígenas e comunidades tradicionais, lideranças e guardiões de conhecimentos ancestrais estão sendo vitimados pela Covid-19. Avós dos povos Tikuna, Kambeba, Tukano, Munduruku, Ka’apor, Murui, Xikrin, Arapium, Yanomami, Guajajara, entre muitos outros, lutaram com garra, como sempre fizeram, pela sua vida.
Infelizmente o nosso querido Zé Yté Kayapó, da aldeia Gorotire, se foi na noite do dia 02 de junho de 2020, aos 88 anos. Também conhecido e citado por alguns pesquisadores como José Uté, foi um dos principais colaboradores dos estudos etnobiológicos conduzidos por Darrell Posey e seus colegas no contexto do “Projeto Kayapó”, juntamente com Beptopup (já falecido), Kapraponh (hoje com 73 anos) e outros indígenas, proporcionou os conhecimentos que auxiliaram os cientistas na compreensão de como os Mebêngôkre-Kayapó manejam os ambientes de floresta e cerrado, de onde obtêm recursos diversos. Zé Yté e todos os indígenas que contribuíram com seus conhecimentos às pesquisas antropológicas e etnobiológicas, na década de 1980, deram visibilidade ao importante papel dos saberes locais para a conservação da biodiversidade, ao mesmo tempo em que suas lutas, fundamentadas na importância do território para a vida do seu povo, contribuíram para criar uma consciência política que guiou as agendas socioambientais em diversos cantos da Amazônia. Uma das grandes preocupações de Zé Yté era com a preservação destes saberes entre os mais jovens. Nos últimos anos, ele e outras lideranças vinham se dedicando em conseguir apoio para novas ações de pesquisa sobre plantas medicinais e alimentícias nos seus territórios, com o intuito de melhorar o acesso aos recursos medicinais da flora local pelos wayanga (pajés) e especialistas em cuidados tradicionais em saúde e pelos moradores das aldeias, desafio imprescindível para a saúde e a soberania alimentar dos Mebêngôkre-Kayapó.
Tivemos o privilégio de contar com a presença de Zé Yté no Museu Goeldi, em agosto de 2018, quando foi convidado a participar no XVI Congresso Internacional de Etnobiologia, também conhecido como “Belém + 30”, evento que evocou os 30 anos da realização do Primeiro Congresso Internacional de Etnobiologia, realizado em Belém em 1988 e organizado pelo antropólogo e etnobiólogo Darrell Posey e a equipe de colaboradores e no qual os Kayapó tiveram papel protagonizante. No “Belém + 30”, Zé Yté, ao lado de grandes lideranças mebêngôkre como Raoni (Rop ni), Tuire, Paulinho Pajakanh e Megaron, nos prestigiaram com a sua presença e a sua palavra, evocando a Posey, conhecido pelo apelido Jajrâti. Nessa ocasião, a exposição “Os Kayapó e Jairâti. Saberes e lutas compartilhadas”, foi uma forma de homenagear a existência, os saberes e lutas mebêngôkre, e as já centenárias relações entre o povo Kayapó e o Museu Goeldi.
Em nome da equipe do projeto de pesquisa “Saúde e Soberania alimentar Mebêngôkre-Kayapó: conhecimentos, práticas e inovações”, queremos fazer uma homenagem póstuma ao querido Zé Yté e expressamos nossos sentimentos de pesar a toda a sua família e ao povo Mebêngokre-Kayapó, por esta irreparável perda.
Boa viagem, Zé Yté. Continue cuidando do seu povo nos confins do pluriverso!