Cáceres/MT, 14 de julho de 2022.
Cara Sócia, Caro Sócio, Assumimos, ainda em 2018, no calor da magia do Belém +30, e sob o clima do golpe de 2016, o compromisso de conduzir a gestão da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia. Apesar do cenário político que estávamos vivendo na altura, sob o governo pós-golpe, cultivávamos a esperança de tempos melhores, talvez por influência do que vivemos nos congressos de Belém (nacional e internacional). Mas isso não ocorreu. Na contramão desses processos, que se agravaram demasiadamente após as eleições presidenciais de 2018, seguimos nossa trajetória de trabalho, sempre com o horizonte da observância dos princípios da SBEE, princípios esses pautados na ética do exercício profissional, vislumbrando sempre a defesa da vida, dos direitos humanos, do patrimônio biocultural de nosso país, do diálogo intercultural de saberes e do engajamento social e político nas pautas dos movimentos sociais nas suas lutas por direitos e defesa dos territórios, onde os modos de viver e existir dos povos e comunidades tradicionais são reproduzidos. Não contávamos que iríamos retroceder na história das conquistas a tal ponto de vermos nosso país viver situação de terra arrasada nas áreas do meio ambiente, da cultura, da saúde, da ciência e educação, quando nossas soberanias foram fraturadas. Hoje, o direito mais básico do ser humano, o direito de se alimentar, está drasticamente ameaçado quando a fome acomete mais de 33 milhões de brasileiros. Sem contar o crescimento da violência contra os povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e seus movimentos organizados, pois, sob a metáfora de “deixar a boiada passar”, territórios foram invadidos, terras indígenas deixaram de ser demarcadas, lideranças, pesquisadores e ativistas foram abatidos de forma perversa, fazendo valer a barbárie no lugar da civilização num país de imensa sociobiodiversidade. E para completar esse pacote, cujo peso por si só já seria de grande envergadura, veio a pandemia da covid-19, afetando de maneira contundente a sociedade brasileira, sobretudo aquela parcela mais vulnerável em termos de acesso à renda, moradia, água e alimentos saudáveis. Várias metas foram colocadas à mesa. Algumas foram alcançadas; outras, encontram-se em curso. Contudo, conseguimos sobreviver enquanto grupo de pesquisadoras e pesquisadores que mantém coerência científica, política e 2 epistemológica, guardadas as ressalvas que são inerentes a cada pessoa individualmente no exercício de suas práticas e abordagens. Um entrave que durou mais de uma década na história de nossa sociedade, foi a questão da conta jurídica, a qual, aberta e funcionando na praça de Recife, permaneceu parada durante anos, com o recurso preso. A partir de força-tarefa de nossa gestão, conseguimos resolver esse problema e aplicar o recurso em um fundo de investimento. Assim, entregamos a SBEE para a nova diretoria com este problema sanado e com mais de R$ 20.000,00 (Vinte Mil Reais) em caixa. A editora da SBEE conseguiu dar passos largos. Melhoramos consideravelmente essa gestão e acompanhamento, sob a liderança de nossa colega, a Dra Tatiana Miranda, que voluntariamente tem desenvolvido trabalho impecável à frente de nossa editora SBEE, a qual, durante essa gestão, publicou obras de relevância. A Revista Ethnoscientia, que até então o “doi” era custeado pela SBEE, com taxas cobradas em dólar a cada edição, a partir de 2020 passou a ser hospedada no Portal de Periódicos da UFPA, sem custos de manutenção, sendo a taxa do referido “doi” custeada pela UFPA. Houve várias mudanças implementadas pelo editor-chefe, Dr. Gustavo Moura (UFPA), desde sua proposta gráfica até o corpo editorial. A revista segue cumprindo sua periodicidade de forma eficiente e rápida e colhendo bons frutos de um trabalho coletivo sob a liderança do Prof. Gustavo. Reatamos nossa relação de cooperação com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), compondo várias frentes de ação na luta pela defesa da ciência e educação, bem como participando de manifestos, notas de repúdio em diversos componentes ligados a questões de gênero, violência, direitos humanos, defesa da democracia, defesa da universidade pública, dos direitos dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, dentre outras pautas urgentes de nossa contemporaneidade. Houve aproximação da ABA (Agroecologia) e SBEE numa ação durante a pandemia da covid-19 para organização de um dossiê sobre saúde, meio ambiente e agroecologia, cujos professores Flávio Barros e Rumi Kubo, sócios da SBEE, estiveram diretamente envolvidos. Em diversas situações, e sempre que a SBEE foi demandada, se posicionou através de cartas, manifestações e moções, demarcando seu lugar de fala e posição frente às injustiças cometidas aos povos originários e seus territórios. A gestão esteve atenta e sempre apoiando os encontros e simpósios regionais, a exemplo dos que ocorreram em João Pessoa/PB, Maragogi/AL, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Belém/PA e Cáceres/MT. Houve uma forte aproximação e reavivamento da SBEE na região CentroOeste. A SBEE assumiu assento em algumas ações institucionais e da sociedade civil, como a comissão nacional das reservas extrativistas e do patrimônio genético, ambas no âmbito do MMA. Houve a tentativa de criação de alguns Grupos de Trabalho Temáticos, porém sem sucesso. É preciso algum nível de reflexão e avaliação para que as ações cotidianas da Sociedade estejam mais diluídas entre seus membros de forma voluntária e minimamente autônoma. Os sócios Gabriela Coelho-de-Souza e Flávio Barros, a convite do MCTI, assumiram a posição de assessoramento técnico do projeto “Plataforma de Gestão do Conhecimento em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional” deste mesmo Ministério. O XIII Congresso Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, a primeira versão dos nossos eventos nacionais com nova nomenclatura (CONGRESSO), ocorrido de 10 a 14 de julho de 2022, em Cáceres/MT, encerra oficialmente o ciclo de ações da atual 3 diretoria. Foi de enorme significado o evento ocorrer no coração do Pantanal brasileiro, um bioma rico em diversidade cultural e biológica, e ao mesmo tempo frágil e enfrentando sérios ataques que colocam em risco sua integridade. Outra estratégia colocada é anunciar à sociedade local e brasileira que o estado de Mato Grosso, que reúne 3 biomas brasileiros, o próprio Pantanal, o Cerrado e a Amazônia, integra a Amazônia Legal. Os povos originários, as comunidades tradicionais e a sociedade estarão mobilizados na luta contra o capital e o agronegócio que desejam expandir as fronteiras neste território matogrossense com a agroestratégia de transformação da natureza em mercadoria. Vale ressaltar a aproximação com a Sociedade Latino-americana de Etnobiologia (SOLAE), atualmente com a presidência da Prof. Rumi Kubo, e a Red Glocal de Sustentabilidad Alimentaria y diálogos intercientificos para América Latina y Caribe, coordenada pelo Prof. Freddy Delgado. A gestão, em parceria com essas redes, deixa um embrião de um programa de pós-graduação em rede entre instituições de ensino superior, de pesquisa e com os movimentos sociais, sobre as temáticas de soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional, sociobiodiversidade e etnoecologia. Com efeito, agradecemos toda a nossa comunidade de sócios e sócias pelo apoio e confiança em nosso trabalho que, em razão das circunstâncias dadas, teve que se estender por 4 anos. Dentro das possibilidades, tentamos dar o nosso melhor, nos dividindo entre tantas missões que bateram à porta. Desejamos todo o sucesso para a nova diretoria e nos colocamos à disposição para continuarmos apoiando a próxima gestão e as ações da SBEE. Diretoria SBEE (Gestão 2018-2022)