No dia 17 de junho de 2020, Paiakan fez sua passagem, acometido pela COVID-19, se somando ao quadro de assassinatos de corpos indígenas que a pandemia está tombando. O termo vítima não é adequado se referir a Paiakan, pois ele viveu e morreu em combate contra o genocídio indígena, se colocando ao lado de uma ciência descolonizadora. Felipe Milanez, da Carta Capital, apresenta uma contundente e pormenorizada contextualização da trajetória de Paulinho Paiakan em sua relação de embates com o setor ruralista e da mineração, respaldados pelas ações do Estado. Tece uma severa crítica à forma como a imprensa paulista tratou as questões em que Paiakan se envolveu, como figura política proeminente nas lutas indígenas por direitos territoriais e identitários. Paiakan esteve envolvido em todos os grandes fatos em torno dos povos indígenas da Amazônia das últimas décadas. Nos anos 80, esteve presente no Encontro de Altamira, nas grandes mobilizações de enfrentamento ao megaempreendimento da Usina Karara-ô. Também esteve à frente a luta pela Constituinte, garantindo os artigos 231 e 232 dos direitos indígenas. Entre as formas de deslegitimação de sua luta, ele foi acusado nos anos 90 de estupro, e logo inocentado no início do processo judicial. Entretanto, a acusação teve repercussão nacional, tendo sido veiculada por mídias nacionais. Em suas palavras, o caso “teve repercussão para me desmoralizar e para desmoralizar a população indígena do Brasil. E fazer com que eu ou outro índio não lutasse pelos nossos direitos. [...] Eu entendi que não era acusação de estupro, e sim uma acusação política de um crime que eu realmente não cometi. Com o tempo, eu comecei a entender direitinho como o homem branco monta o esquema para prejudicar os outros.” (Milanez, 2020, Carta Capital). Neste momento de sua partida, a mídia, a serviço do grande capital organizado, busca dar continuidade a este processo de questionamento de sua imagem, disparando mais um golpe nesta arena de combate, ao acionar o caso. Entre os grandes aliados de sua luta, as sociedades científicas se manifestam buscando precisar, comunicar e legitimar as marcas de sua trajetória na história brasileira, evidenciando o seu papel como uma grande e potente liderança, cuja luta e conquista se mantém e manterá viva entre os povos indígenas amazônicos, movimentos sociais, universidades, museus e centros de pesquisa nacionais e internacionais, como a Universidade de Coimbra e de Oxford. Paiakan foi um dos interlocutores de Darrell Posey, na época pesquisador do Museu Emílio Goeldi, que coordenou o primeiro grande projeto de etnobiologia no Brasil, liderando um grupo de pesquisadores que conviveu com os Kayapó entre as décadas de 1970 e 1980. Essa experiência construiu uma aliança entre esse grupo de pesquisadores/as que passaram a atuar, ao longo de suas vidas, para a construção do campo da Etnobiologia e Etnoecologia no Brasil. A Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia nasceu da união desses pesquisadores e pesquisadoras, encantados/as por esta transformadora experiência junto aos Kayapó que os sensibilizaram a visualizar a nossa existência de uma forma mais coerente e potente. Essa potência se reflete, por consequente, no fazer ciência a partir dessas outras epistemologias, marcando definitivamente o campo da Etnobiologia e Etnoecologia brasileiras, historicamente engajadas nas lutas dos povos tradicionais. Neste momento, a SBEE vem se somar aos povos indígenas e a seus aliados que, alimentados pela memória e lutas de Paikan, denunciam os projetos políticos de morte e anunciam o Bem Viver.
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